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segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Autocarro

No autocarro repleto, em época de natal,
Multiplicam-se os sacos com prendas, entulham-se as pessoas
E todas elas, à despedida, distintamente, sorriem e desejam “ um feliz natal e um tudo de bom!”.

Mas o autocarro esse não para,
Seja natal, seja o encontro interior de um qualquer ser humano.
Segue o seu trajecto sem comemorações!

Eu saio sempre na penúltima paragem,
Detesto enfrentar o fim de alguma coisa, mesmo que mais tarde ela ressuscite…
Saio e vou pela mata até à minha gruta, onde me espera a minha querida mulher que ao que parece me fez para o jantar aquele bacalhau que me embevece…

Todos os anos, por esta altura, é sempre o mesmo.
Matam-se árvores, cortam-se os galhos que não ficam bem
E tudo se reduz à eficiência embelezada.

A fogueira do amor que partilho com a minha companheira,
Parece, ao que vejo cá de fora, que se vai apagando…
Entro na gruta, ela não está e o bacalhau é mera cinza!
“Adorei tudo que vivemos, mas o meu amor é outro. Quando o autocarro regressar, destruída que esteja a sua sepultura, vou com ele para o céu!”.

Li eu no papel, junto ao fogo.
Perplexo, bufo a cinza daquele bacalhau a quem tinha jurado fidelidade
E reacendo o meu incêndio interior…
Mais cinzas se foram criando, no decorrer do extenso cativeiro a que me submeti…
Ali mesmo, na minha gruta, vendo a lenha enfrentando o seu fim, olhei-me no pequeno lago que a minha agonia criara,
Sucumbindo por dentro e cantei!
Cantei para não morrer por fora!
No meu leito existem as folhas de todos os Outonos, existem raízes que não renegaram o sítio de onde provêm…
Eu venho do universo da espécie humana e reneguei-o!

Por isso quase tudo se foi e só as minhas cinzas vivem dispersas!

Quis mesmo ser teu, meu amor.
Quis e subi todas as escadas que a tua boca me faria escalar.
Quis subir e desci à sepultura da paixão!
Percorri todos os cemitérios.
Verifiquei todas as tábuas e sangrei o que sinto, por culpa dos pregos que vigiam a fé que buscas…

Eu sou o poeta distante, o poeta das cavernas que reconhece o seu papel
E tenta usá-lo com humanidade!

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