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segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Vertigens

Sinto vertigens quando me aprecio encostado ao muro que me separa do resto do universo.
Dá vontade de reunir as folhas perdidas e circundantes e com elas cobrir todo o meu corpo, como se possível fosse percorrer a distância que nos separa…
Entre a finitude e a infinidade.
Que segurança teria então o meu sono!
Quão real seria o meu sonho…
Unir a alma do Homem e o corpo da natureza!

E do vento forte que roubas as folhas,
Cessa a minha melancolia,
Dissipasse a dor de pertença á vida,
Evolasse o ideal da plenitude vivencial!

Escrevo do cimo do muro
E deixo o meu cadáver pelo chão, ao dispor do vento, propício aos abutres,
E nada mais me interessa que não vencer as vertigens!

Ver o Mar Revoltado

Ver o mar revoltado deste muro em ruínas,
Cotejando a bravura das suas ondas com a ferocidade do meu cenho,
Engrandece-me enquanto idealista desconhecido do momento triunfal…

O mar vê em mim a transição lógico para um mundo amplamente humanizante,
Sem precipitações à ordem natural do Homem e desprotegido incondicionalmente da diplomacia do Olimpo.
E o mar vem desde sempre manifestando a sua fúria, alternando a paz que o caracteriza, com o desgosto instrumentalizado por uma violência atroadora que lhe vão suscitando.

Eu sou o protegido do mar!
Se pensam que me vencem pela minha inexperiência, DESISTAM!
Eu tenho o poder de ruptura da juventude!
Não sou um muro em ruínas…

Um Carro já Velho com um Pneu Furado

Lá no fundo da minha rua,
Nesse fim de caminho onde toda a vida escondida se inicia,
Há um carro já velho com um pneu furado.

Há coisas que me revoltam profundamente e sem duvida que um carro com um pneu furado não é uma delas.
O que me aflige verdadeiramente é que toda a gente que lá passa (gente que não é cá da terra, mas que apenas se serve das vias de comunicação que o senhor presidente da junta inaugura) se nega a ver a realidade.
A realidade é um carro já velho com um pneu furado.
Nada mais!
Sendo ele já velho, danificado, que constrangimento poderá causar um simples olhar, um suspiro de pena, de inércia…
Um simples toque pela manhã, nos vidros trémulos para tentar ver a vida que nele ainda se esconde?

Todas essas pessoas, esses oportunistas da nossa junta rival,
Querem isso sim, vê-lo o quanto antes arremessado numa sucata perdida na História.
Um desses oportunistas da nossa junta rival, uma vez em tom de gozo, disse que o carro já velho com um pneu furado estava às portas da morte.
Bom, aí eu percebi toda aquela frieza, falta de compaixão…
Tentam empurrá-lo para as portas da morte, mas é contra a sua natureza passar por entre portas…

Por isso ele resiste!
Por isso de toda a resistência se há-de reiniciar, aparecida enfim do seu esconderijo, a vida!

Sou tudo!

Sou tudo!
A permanência indefinida e obscura do absoluto, da plenitude das coisas e da complementaridade das palavras…

Sou tudo!
O sorriso persistente que vence as lágrimas,
O beijo tórrido que embevece o maior dos românticos…

E do nada se faz tudo!

Soldado

Numa planície deserta, soldado, chora!
Deixa que as lágrimas soltem a tua amargura
E ergue com a espada os teus sonhos!
Esta é a hora por que anseias!

Como as lágrimas que vais enxugando,
Será esta a batalha mais transparente que travarás.
Levarás na tua espada a força capaz de vencer estigmas
E de te devolver à imortalidade dos teus antepassados!

Vence por ti!

Sede

Não sei de que zona do meu espírito vem este grito de revolta agonizada, de fúria intempestiva, ódio sem destinatário…
Sinto a cada momento a revolução que idealizo efectivar-se!
Aí os meus movimentos reaccionários incorporam-se naquele que fui e eu estagno.

Eu tentei tanto…
Acabei por consciencializar a indecifrabilidade dessa ruptura.
Agora eu sou o enigma!

VERTO A INDECIFRABILIDADE DO INCÓGNITO NO MEU DIA-A-DIA!
MATO A SEDE DE MUDANÇA, DO DESCONHECIDO…E MORRO COM ELA!

Socialismo Próprio

Mudo, adormecido, gritava o povo no decorrer do deu sonho pela liberdade interior que lhe roubavam…
Manifestações grandiosas, dessas que o nosso espírito vive, sem nunca nós, mera forma, sentirmos,
Enchem as ruas da nossa alma, erguem-se cartazes de euforia,
Entoam-se cânticos sem mensagem exterior ou ideais supérfluos!
Abraçam-se sem se conhecerem cérebro e coração!
Amam-se para sempre razão e emoção!

Juntos partilham o poder, encetam medidas corajosas,
Sanam-se conflitos individualistas e o povo vence!
E a vitória mais gloriosa é sempre aquela que dilui o pensamento utilitarista, pragmaticamente eficaz do Homem!

Pilham-se os bancos, rasgam-se as notas
E cobram-se com juros a fraternidade saqueada…
Rebate-se a fé divina com a real, vivida mas entorpecida fé do espelho humano!

Abaixo Estaline, Mao, Fidel…
Abaixo a atrocidade idealista!
Que homem algum, matando, se sirva do sonho…
Vivamo-lo!

Quero

Sonhando, vejo, perto, bem perto da minha confortável gruta,
Situada na planície da minha estagnação interior,
O penhasco altivo, premeditado da minha imaginação…

Quero correr sem tropeçar,
Quero brincar e não sou criança,
Quero viver caminhando para a morte!

Sou o trajecto perpétuo que se faz em marcha paraplégica até ao nada!

Por Ti!

Por cada lágrima que evito,
Um sonho teu se esmorece.
Por cada suspiro que rejeito,
Um sonho teu desaparece!

Porque as lágrimas são a vitalidade dos sonhos e os suspiros a razão da nossa união!
Por lágrimas sonhadoras…
Por suspiros de união…
Por ti!

Por isso… Espero!

Espero de madrugada, sem mais esperar de mim próprio, pela certeza do início do dia.
Como as ondas que percorrem a imensidade do mar (desse mar que desagua e cobre o meu corpo quando o dilacero no decorrer do dia),
Sofrendo pela irremediável chegada à costa e a dura realidade do fim,
Os meus sentimentos por ti sucumbem, não na areia,
Mas num solo impenetrável, sem nunca se proceder ao seu escoamento…

Por isso, as ondas, no seu testamento, deixam a imensidade pela areia toda.
Por isso, o que sinto por ti está no chão.
Eu não tenho a imensidade do mar.
Também se a tivesse, ninguém a receberia!

E enquanto passa a noite, vou rebolando pela areia, sarando as feridas com a espuma das ondas,
Buscando a imensidade que nos separa…

Período Revolucionário em Curso (PREC)

Serenado o incêndio interior,
Respeitando intrinsecamente a luz natural do sol,
Vejo o meu rosto despojado, na praia, entre as rochas.
Não só, mas rodeado por mim próprio,
Busco o refúgio à agonia por entre a solidão de uns ombros momentaneamente expostos por uma sombra desconsiderada…
E quando me aproximo, ela foge e segue repetindo os meus gestos.

Sento-me na areia e tento ver por entre as montanhas e castelos que desenham,
O sentido da minha existência…
Impulsivamente, enterro a minha mão na areia, fecho-a e ergo-a repleta,
Crendo deveras ter literalmente na palma da minha mão a infinidade…
Bem alto, do cimo do meu braço erguido,
A areia, irreversivelmente desapropriada à natureza do meu tacto,
Vem deslizando pelo meu corpo, agora hirto
E lacrimejando sinto o absoluto, o infinito a perder-se em mim!

E quando a infinidade se perde,
Quando a viagem até ao inicio e fim das coisas termina,
Segue o trajecto ininterrupto até à confortável gruta.
Destroçado, perdido no seu grande vínculo existencial, liberta o seu coração e a batalha inicia-se…

Todos os que na idade do nada, buscam o absoluto, são dizimados pela corrente mortífera da vida!
Todos os que amam o amor e se perdem por entre o trajecto racional dos sentimentos,
São unicamente renegados da sua própria existência!

Papel Rasgado

Faz-me bem saber que me posso refugiar naquilo que sou,
Que os meus pensamentos, ainda que ineficazes e achincalhados, podem sempre sentar-se no colo do meu coração e encontrar nele o ouvinte que sempre buscam…
Eu sei tudo isso. E tudo o resto que possa faltar desse resto, sou eu escondido numa folha de papel rasgada...

P.S:

Eu não desisto!
Desistir é apagar o fogo e arrefecer a vida…
Desistir do amor é entregar a alma a deus e amar menos, porque ninguém consegue amar uma só coisa…
Desistir é mutilar a vida!
Desistir é lavar o Mundo com lágrimas!
Desistir é inspirar o ar que nos sufoca!
Desistir é servir eternamente a ilusão!
Quem desiste perpetua o passado!
E eu não desisto!

Operário

Se vivesse na cidade e levasse a vida comum da urbanização,
Gostava de ser um operário de uma qualquer fábrica.
Tudo o que faz, tudo que diz, tudo que sente é simples.
De manhã levam a merenda que a mulher lhes prepara.
Enfrentam o patrão altivo e regressam ansiosos e expectantes acerca do jantar que será servido…
Tudo é simples, até a felicidade.

Se tudo que narro vai contra o progresso da técnica, da informática, de quase tudo…
É porque é hora de progredirem as pessoas!

O Meu Rosto

Num dia de reais plenitudes,
Rosto reconhecido,
Sentimentos embevecidos,
Constrangimentos pirimidos,
Decifrar o enigma da realização interior parece simples como olhar o espelho e encontrar, sem delongas, a virtude universal da existência humana: o inconsciente.

Eu nunca fui um operário de um qualquer ramo industrial,
Embora desejasse (inconscientemente) ser.
Sempre quis ser aquele que regressa ao ponto de partida, uma vez alcançada a meta de chegada.
Sempre repudiei os que de início encantam o mundo com teorias
E capitulam no final, vencidos por um torpor inelutável
Mas se na realidade fosse um operário… bom aí sim…quereria ser poeta (quem sabe até filósofo), porque me desgastaria na lide operária,
Julgando sempre exequível a tarefa do poeta que pela noite se exalta.
Hoje que todos aqueles livros que guardo naquela prateleira inquebrável se fundiram comigo,
Elevando um estatuto, que embora meu, jamais o aceitarei,
Já não valerá a pena buscar a minha realização interior.

A minha alma será sempre um aquário inundado, dentro do qual só pedras resistem e onde os peixes sacrificam a sua vida, saltando para um tapete qualquer, para não a partilharem comigo!

Constrangimento pirimidos,
Sentimentos embevecidos,
Rosto reconhecido…

O Menino do Mundo

Não tranques a porta da tua vida, menino…
Vê o Mundo como um livro de poesia.
Por detrás da destruição florestal, estará sempre a corrente inabalável da tua vivência…
Não supliques pela última gota de tinta da tua caneta.
Pode muito bem cair-te em cima e pintar a tua vida de negro!

Abre a porta, por favor!
Não me digas que te esqueceste do sítio onde guardaste a chave da tua vida.
Como sempre, usaste-a como marcador do teu álbum de recordações
E eu assevero-te que está no início do álbum.
Não a procures no fim!
A morte apenas te libertará do paraíso da vida!

Não desesperes querido menino.
Abre a janela da tua alma e promete-me que jamais brincarás às escondidas com o Sol!

Vou contar-te um segredo.
Quando tinha a tua idade, brincava a apanhada com o vento
E de tanto tentar apanhar, acabei por me perder no mundo!
De tanto tentar regressar, acabei por decorar o seu trajecto…

Hoje conheço o Mundo todo e sei o caminho para minha casa…
Espero bem quando lá chegar, me esperes à porta!

O Menino da Revolução

Num atroador grito de revolta,
Dispara toda a tua raiva menino…
Mata de uma vez quem colocou a tua vida nos subúrbios do Mundo!

Veste-te de negro e arromba essa porta de vidro em que te trancaram!
Vinga todos os dedos que te apontaram!
Vinga todos os sorrisos cobardes que esboçaram!
Vinga aqueles, que por medo, se calaram!

Sai à rua, menino revolucionário!
Arremessa todos os estigmas que se perpetuavam nas tuas frágeis costas
E destrói essa porta intransponível!
Deixa toda a “vida subordinada” reduzida a exíguos pedacinhos…

No calor da tua solidão sobe ao palco e discursa!
Uma multidão submersa surgirá a teus olhos:Viriato, Camões, Vasco da Gama, Bocage, Antero, Pessoa, Afonso Costa, Salgueiro Maia, Soares!
À esquerda verás o contingente de Aljubarrota.
À direita verás a frota de Pedro Álvares Cabral.
Eu estarei atrás de todos estes e lacrimejando, gritarei, segundo tuas ordens,
VIVA PORTUGAL!

O Guarda Ateu do Olimpo

O homem que faz a guarda da porta do Olimpo é ateu.
Na verdade, ele vendeu a sua alma a deus, para não engrossar essa volumosa criação do capitalismo – a Taxa Natural de Desemprego.
E deus afinal não passa de mais um empregador capitalista, que não atende às convicções dos seus assalariados para espalhar a fé em si próprio.

Por isso, há por vezes nas lágrimas, para além da sua humidade natural, a fúria incendiária dos sentimentos subjugados, a ira ardente, virilmente propagada a todo o corpo, dos ideais vilipendiados

Quando o olhar a uma flor se dirige, ao invés, a uma explosão catastrófica a milhares de quilómetros de distância e dos estragos desse rebentamento, se plantam novas espécies de terror, atrocidade, devastação, pode considerar-se que tudo que é constituído soçobrou?

deus não subordinará mais o Homem!

Aí o guarda ateu do Olimpo cumprirá o seu dever existencial,
Colocando por todo o castelo transcendental a carestia, a corrosibilidade mental (cinzas de obras literárias; restos mortais de ateus suprimidos).
Seguir-se-á o saqueamento, no qual os revolucionários verão devolvidos os dízimos cobrados!
Sem resistência, descerão, enfim, as escadas do Olimpo e a cada degrau descido (e destruído completa e eternamente), atingirão o ponto mais alto do mundo: o fim da escada!

Não sei se vês aí…

Não sei se me vês aí da janela do meu antigo quarto.
Não sei se me procuras dentro de ti, ou se me encontras fora do que fui,
Aqui encravado nos paralelos da minha filosofia pisada…

Saí de casa pela noite (e neguei a simbologia deste acto) apenas com a roupa que me prepararas para o dia seguinte,
Aturdido por poderes imaginar que largava tudo pela utopia de um lugar na memória dos homens.
Desconheço a tua reacção quando abriste a porta do quarto e o viste só…
Suponho que te preocupaste, por mais uma vez ter deixado a minha vida desarrumada,
Os meus deveres, enquanto membro do mundo por fazer,
Todas as minhas ambições encardidas no chão para tu arrumarem.

Aqui no chão, o terreno que a minha utopia causou, percebo que falhei!
Falhei em tudo, porque me julguei capaz de me reconstruir, não tendo nunca o mundo como modelo!

Ainda que tenhas de fechar a janela, prefiro que o faças para sempre
E me deixes morrer aqui entre os meus!

Horizonte

Vejo o teu rosto no horizonte do meu coração.
Os teus olhos, por mais forte e resistente que seja esse castanho incógnito,
Elevam em mim a força, a destreza sobre-humana que a vida jamais me concedera.
Os teus lábios esculturalmente concebidos,
São lenha humedecida e ardem incondicionalmente unidos à fúria excitada da minha saliva…
E esse teu nariz, redondo de forma…
É a última peça do puzzle que sonho edificar!

Assim mesmo sonhando, imagino-me contornando com o nervosismo do meu tacto,
Esses fios de água que fogem paulatinamente de uma cascata desconhecida
E desaguam rejubilantemente no fervor incansável dos meus dedos…

Será o horizonte inatingível para um guerrilheiro do amor?
Amar-te é ver tudo o resto do alto de uma colina,
Olhar para trás e ver a linha do horizonte!

Fugindo

Fugindo, vão escorregando pelo meu rosto
E eu vou secando a minha vida…
Como a poesia sem poetas,
Como o brilho sem luz,
Uma vida sem sonhos!

Sonhos limpos, sonhos humedecidos!
Sonho humano que estremece os deuses…
Colocar numa folha o trajecto para a imortalidade!

Exilado Afectivo

Por entre esta luz soluçante que ilumina
A imensa escuridão da minha existência,
Fui gastando os meus dias procurando as tuas mãos,
Crendo incondicionalmente na sua valentia.

Pôde o Mundo servir-se da minha ingenuidade, pudeste tu perante mim, deturpar a tua imagem, Que eu, como que um exilado afectivo, busquei sempre o aconchego dos teus braços
E o calor do teu corpo…
Fui acumulando dias na nefasta travessia que efectuei
E nem de longe senti o estremecer do teu coração!
A luz ia esmorecendo e eu que escrevia o teu nome na areia molhada, pressentia que mais cedo ou mais tarde o mar nos uniria…
Uma pequena onda apagou o teu nome da minha vida
E a luz voltou a brilhar…

Agora relembrando a carícia daquela mão, que sempre foi a minha,
Sei que a luz que me vem iluminando é o resultado da minha preserverança na busca doentia do desconhecido…

Em Honra a Alguém

Que o vazio nocturno desta passagem te devolvam à claridade ofuscante do teu passado…
Que a fúria carinhosa do teu olhar esmoreça e se propicie o regresso triunfante do teu sorriso intemporal….
Que o carinho enfurecido das tuas mãos serene e retomem a tua casa o nobre e contagiante ambiente afectivo…
Que o calor amordaçado dos teus abraços respeite as suas origens e grite: Revolução!
Que a tua cabeça se erga sem hesitações ao som inconfundível do vento
E o teu Mundo se veja para sempre sem o auxílio de uma lupa!

Ditador Intra-Pessoal

A minha liberdade é opressiva.
Restringe a minha alegria e delimita as dimensões do meu sorriso…
Numa corrida incessante pelos sentimentos (angustiados),
Correr só dói, como ver o mar imóvel, esgotado nas suas forças…
Fosse um sorriso tão fácil de esboçar, como é dar um passo em frente
E eu percorreria todo o mundo exaltadamente rejubilante!
Fosse uma existência predominantemente completa, exacerbadamente bem sucedida, como é o salto de uma criança a um charco
E eu era a plenitude da vivência humana!

Mas não é.
E eu sou sólido, glacial…
Tornei-me num lamaçal, impossível de transpor!

Tenho 18 anos, boa saúde, vivo só, porque me extrapus, lavo o rosto em água limpa
E enxugo-a numa toalha seca e perfumada…
Sou livre.
Tenho espírito autoritário, despótico
E tenho alma de ditador intra-pessoal!

Chão

Escrevo debruçado num tronco quebrado
E sei que me sirvo da sua situação para me engrandecer enquanto poeta, narrando e cotejando o seu estado ao meu!
Fragmentado, disperso, desnudo, varro-me abruptamente e cerro-me para sempre no cofre da utilidade!

Agora, caminhando lívido, sem alento pela viela que me guia à minha antiga casa,
Caio no chão, caio em mim…
Triste de mim que me fiz só,
Que me perdi no só que sou
E não fui, não vivi, não senti, não sonhei
Em e por nós!

Camuflagem

Se eu sorrir perante a tua agonia,
Se eu chorar perante a tua alegria,
Não fites em mim esses olhos fulminantes, para os quais, não ouso, sequer, olhar.
A vida apenas sorri aos que choram!

Eu sou o refúgio de mim próprio.
Escondi-me aqui muito calado, debaixo do osso do meu dedo mindinho, para que o brilho dos meus olhos não esmorecesse entre a escuridão secreta do lugar que vivemos…
Não vou camuflar-me num prédio gigantesco ou em ruas repletas…
Não vou camuflar-me para viver!

Agora ouve:
Quando as tuas lágrimas lavarem os teus olhos da imunda imagem que te rodeia,
Eu vou, prometo-te, sorrir, amar-te e esconder-me no teu coração!

Autocarro

No autocarro repleto, em época de natal,
Multiplicam-se os sacos com prendas, entulham-se as pessoas
E todas elas, à despedida, distintamente, sorriem e desejam “ um feliz natal e um tudo de bom!”.

Mas o autocarro esse não para,
Seja natal, seja o encontro interior de um qualquer ser humano.
Segue o seu trajecto sem comemorações!

Eu saio sempre na penúltima paragem,
Detesto enfrentar o fim de alguma coisa, mesmo que mais tarde ela ressuscite…
Saio e vou pela mata até à minha gruta, onde me espera a minha querida mulher que ao que parece me fez para o jantar aquele bacalhau que me embevece…

Todos os anos, por esta altura, é sempre o mesmo.
Matam-se árvores, cortam-se os galhos que não ficam bem
E tudo se reduz à eficiência embelezada.

A fogueira do amor que partilho com a minha companheira,
Parece, ao que vejo cá de fora, que se vai apagando…
Entro na gruta, ela não está e o bacalhau é mera cinza!
“Adorei tudo que vivemos, mas o meu amor é outro. Quando o autocarro regressar, destruída que esteja a sua sepultura, vou com ele para o céu!”.

Li eu no papel, junto ao fogo.
Perplexo, bufo a cinza daquele bacalhau a quem tinha jurado fidelidade
E reacendo o meu incêndio interior…
Mais cinzas se foram criando, no decorrer do extenso cativeiro a que me submeti…
Ali mesmo, na minha gruta, vendo a lenha enfrentando o seu fim, olhei-me no pequeno lago que a minha agonia criara,
Sucumbindo por dentro e cantei!
Cantei para não morrer por fora!
No meu leito existem as folhas de todos os Outonos, existem raízes que não renegaram o sítio de onde provêm…
Eu venho do universo da espécie humana e reneguei-o!

Por isso quase tudo se foi e só as minhas cinzas vivem dispersas!

Quis mesmo ser teu, meu amor.
Quis e subi todas as escadas que a tua boca me faria escalar.
Quis subir e desci à sepultura da paixão!
Percorri todos os cemitérios.
Verifiquei todas as tábuas e sangrei o que sinto, por culpa dos pregos que vigiam a fé que buscas…

Eu sou o poeta distante, o poeta das cavernas que reconhece o seu papel
E tenta usá-lo com humanidade!

Anarquia

Sentir a anarquia do meu carácter,
Julgar a dúvida do meu comportamento, é a forma de me olhar e viver coagido no mundo!

Amanha não vou trabalhar.
Vou sair pela mata, restaurar a independência do meu espírito e chutar pedras!
Não gosto que me imponham leituras, me incitem ao estudo
E não gosto porque EU é que me coordeno.
(Não gosto de livros, por isso!) (Na verdade, aquilo que me vincula ao mundo é o desejo de escrever.)
Que importa a incoerência, se encontrando ou não pedras, eu chuto a minha personalidade, chuto-a com tal força que chego a ter pena… do que escrevi.
O que é o drama, o pessimismo para alguém que altera todo o seu plano diário para restaurar a sua independência e segue pela mata chutando pedras!Ser ridículo é uma anormalidade?
Que importa a uma pedra se o pé que a chuta para longe, a afasta da sua comunidade (se a houver),
Tem ou não em si a loucura da vida, sente ou não a exaltação da filosofia, chora ou ri antes de adormecer, vive ou está morto em si, sem possibilidades de ressuscitar?
Que faço eu, que não redicularidades enquanto penso e sofro por isso…
Há algum código para travar as lágrimas no momento do suicídio?
Vivo consciente, crendo na certeza do inconsciente!

Amanha vou chutar pedras pela mata.
Durante a minha vida chutei o meu modo de existir e vivo triste por isso.
Estar contente é ter a felicidade inconsciente!

Hoje estou particularmente resignado.
Porque choro enquanto sorrio?
Gosto de questionar as lágrimas quando se vertem por grandes alegrias.

Por detrás do nevoeiro tudo que brilha são lágrimas…
Questionar tudo, relativizar tudo!

Não quero que a minha poesia fique pela metade.
Seria uma grande afronta a alguém que nunca se iniciou em nada!

(Sabe bem travar a impetuosidade dos homens quando eles julgam que podem alcançar a verdade pela via da revolta interior…
É bom que eles compreendam que toda a sua força física e ideológica se esgota a cada dia.
EU sou a natureza do Homem, o fim, o limite, o reinício da vida…
Sou o sono, o funeral do dia-a-dia!)

A Verdade da Dúvida

A verdade da dúvida é a incerteza oculta do Homem.
Percorre a sua vida com o olhar agitado, o corpo pesado com mistérios e a raiz da sua humanidade em constante sobressalto.
Ter coração (serem os sonhos a sua composição) interroga-o acerca da compostura conflituante dos seus desejos.
Ter em si a razão (a síntese dos pensamentos), agoniza-o sem dar conta, porque lhe amputa individualidade e o coage a partilhar o que consegue.
Ter alma (a fonte selectiva da vivência), esgota-o como quem tenta correr pelo céu, e uma vez conseguindo-o, não consegue acordar desse pesadelo!
A individualidade é o trajecto contínuo rumo à comunidade!

A Tarde do Dia

Nessa tarde de sol sorridente,
Precedia da fatídica noite da fuga ao mundo dos interesses,
Acordaram, já o sol subira todas as escadas do universo
E de olhos reciprocamente postos verificaram quão boa havia sido aquela noite em que ela fez do coração dele a sua almofada aquecida
E ele da sua cabeça a mais subtil das esferas, a qual contornara sem cessar as suas mãos apaixonadas…

Sedentos, rumaram, ainda embaraçados, a uma cascata onde para além da sede mataram a vontade de se beijar.
Seguiram depois (à semelhança da sua alma) caminhos desconhecidos.
Partilharam filosofias, esgrimiram teorias, declamaram poesias
E no fim, fechando todos os livros, viveram o amor que dividiam.

Ali mesmo, camuflados no verde da floresta,
Olhando a casa do sol imaginaram os seus corpos voando…
Beijaram-se de novo e fizeram do seu amor o hegemónico instrumento de aviação!

A Rocha da minha Praia

Tenho mantido relações frequentes com uma rocha da minha praia…
Fascina-me o século XIX, a humanidade de Nietzsche, a consolidação do equilíbrio político, o germinar do socialismo, a geração de 70, a mais brilhante e categórica da nossa história…
Sinto por (n)essa rocha e somente por essa, pois é da minha praia e acompanhou o meu desenvolvimento,
Tamanha admiração paternal, tremendo fascínio e aconchego familiar, que por vezes chego questionar-me acerca da racionalidade emocional, não das rochas, mas unicamente daquela com quem me tenho partilhado…

Não é verdadeiramente a sua longevidade que nos prende umbilicalmente.
Muita gente, nascida naquele século, com enorme fulgor descritivo, notável capacidade intelectual,
Me poderia conceder uma compilação detalhada destes acontecimentos…
Mas não é isso que procuro.

Na verdade, centro a minha existência naquela rocha, porque ela me adoptou na altura da minha revolta interior.
Tendo feito parte desse mundo (que me invade quando cerro os punhos e dou voz a Humanidade),
Actua com tal delicadeza nos nossos diálogos, que chega a omitir ingenuamente a sua incomparável experiência de vida…
Quando o faz, lembro-me do gesto dos pais, que a meio da noite, combatendo o desgaste do dia, vão ao quarto do filho, aconchegá-lo, cobrindo o seu corpo com tórridos afectos…

Provavelmente se essa rocha falasse, ou melhor se eu fosse capaz de a entender linguisticamente, teria desejado morrer naquele dia em que escorreguei da minha rocha e embati desamparadamente com estrondo na água…

Penso muitas vezes acertar esse detalhe fatal e voltar a escorregar da minha rocha, cair de cabeça na água com os olhos abertos, para que a água do mar, por força da sua composição, me forçasse a redefinir o slogan estarrecedor do “espelho da minha alma”: ÓDIO!
Só não o faço, porque na minha época, nesta maldita fase dos povos, o suicídio, já não significa morrer com honra e dignidade, mas sim um distúrbio mental…
Cerro-me firmemente nas tuas mãos e sigo dando humanidade à tua voz!

À Noite

À noite, em criança, deixava cair a minha última lágrima diária,
Entre a austeridade da minha almofada e o desaconchego da minha cama,
Sonhando, infantilmente, transferir toda a minha agonia,
Para a curta e irreal passagem dos meus pesadelos.
Depois virava a almofada ao contrário e colocava-a por cima da zona atingida da cama…

Perpetuavam-se as insónias, desencadeadas pela pureza objectiva de uma aparição ilusória…Nenhuma fada voando me fez a vontade.
O menino Jesus, a quem tanto me obrigaram a pedir ajuda também não me socorreu…

De manhã o sol acordou a minha vida.
Não sou crente em ilusões, mas tenho fé no calor do meu corpo…
Ele foi capaz de secar a minha agonia.

A Hora da Revolta

Morbidamente folheada a epopeia da utilidade,
Sinto-me vassalo e quero libertar-me!
Luto sem receio, como quem adormece às escuras e crê em sonhos luminosos!